terça-feira, 9 de abril de 2013

Livro resume trajetória de trio da Ambev que comprou o Burger King e a Heinz

Por Érica Fraga

Meritocracia, controle de custos inclemente, trabalho duro e uma dose de pressão que nem todos aguentam.

Assim a jornalista Cristiane Correa resume a tônica da história de sucesso --também pontuada por fracassos --narrada em "Sonho Grande" (Primeira Pessoa, R$ 39,90, 245 págs.), sobre Jorge Paulo Lemann, empresário mais rico do Brasil, e seus principais sócios, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Fundador do Garantia, o mais badalado banco de investimentos brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, Lemann é o cabeça do grupo que criou a Ambev (fusão da Brahma com a Antarctica).

A empresa se uniria aos belgas da Interbrew para depois criar a maior cervejaria do mundo, a AB InBev, com a aquisição da americana Anheuser-Busch.

Cristiane tentou compensar o silêncio dos três sócios, avessos à exposição pública, entrevistando quase cem pessoas que gravitaram ao redor deles, incluindo parentes, ex-sócios e personalidades estrangeiras como o megainvestidor Warren Buffett e o consultor de negócios Jim Collins.

O resultado foi resumido em uma detalhada narrativa sobre o trio, no qual, como Telles teria dito uma vez, ele e Sicupira desempenham o papel de "bispos radicais", e Lemann, o do "papa".

ÉTICA PROTESTANTE

Nascido no Rio de Janeiro em 1939 e descendente de suíços, Lemann trouxe do berço "a ética protestante, baseada na frugalidade, na disciplina e no trabalho".

Essas são algumas das características da personalidade do empresário que foram transpostas à cultura de negócios da qual é considerado um emblema no Brasil.

As outras são a obstinação e a gana por sucesso. Tenista habilidoso, Lemann considerou viver do esporte, mas desistiu, segundo a autora, usando a justificativa: "Percebi que dificilmente estaria entre os dez melhores do mundo".

História parecida é contada por Alan Greenspan em sua biografia. O ex-presidente do Fed (banco central americano) desistiu da carreira como músico ao ver o então colega de banda Stan Getz tocar e perceber que não poderia se equiparar a ele.

Lemann, como Greenspan, queria uma área na qual pudesse se destacar. Com uma passagem em Harvard no currículo, mirou o mercado financeiro. Tirou lições de tropeços do início da carreira.

Queria tocar seu próprio negócio. Acabou comprando a corretora Garantia e depois abrindo o banco.

Uma das receitas que Lemann -e depois seus sócios- adotaria é "não perder tempo reinventado a roda". Buscaram inspiração em modelos bem-sucedidos de negócios. A cultura do Garantia se baseou em grande medida na do Goldman Sachs.

Isso incluiu o recrutamento de jovens talentosos e ambiciosos. O lema era pagar salários mais baixos que a média do mercado, mas acenar com bônus altíssimos para quem batesse metas e com a chance de se tornar sócio.

O banco premiava a meritocracia, mas requeria nervos de aço e sacrifício à vida pessoal. A receita valeria para as outras empresas do trio.

A sobrevivência exigia jornadas longas de trabalho.

O acadêmico Eduardo Giannetti da Fonseca, depois de uma semana no banco, desistiu. Conta ter saído um dia se sentindo exaurido, "como se tivesse sido atropelado por uma jamanta". Os que resistiram enriqueceram a reboque do sucesso do banco.

VENDA DO GARANTIA

Mas o afastamento de Lemann, Telles e Sicupira do cotidiano do Garantia depois de se embrenharem em outros negócios foi um erro fatal. Segundo a autora, os sócios jovens, mais focados em gerir suas próprias fortunas, descuidaram-se dos controles do banco, que acabou afetado pela crise asiática.

"Era como se a arrogância, o dinheiro farto e a certeza de invencibilidade tivessem desligado os sensores do perigo."

Com a imagem desgastada, o banco foi vendido para o Credit Suisse, em 1998.

O baque não impediu a ascensão do trio, que, naquele momento, já havia assumido o controle e reestruturado empresas como a Lojas Americanas e a Brahma. Outra frente que exploravam era o mercado de "private equity" (compra de participações em empresas) por meio da GP Investimentos.

Segundo Buffett, a união do trio explica seu sucesso: "Você não pode competir com seu sócio", disse o investidor que conheceu Lemann em 1998, no conselho de administração da Gillette. Um traço em comum de Lemann, Telles e Sicupira é o sangue-frio, fortalecido com a prática de pesca submarina, que exige frieza e precisão.

Cristiane começa o livro contando como Lemann manteve a tranquilidade quando vazou a notícia de que a InBev tinha o plano ambicioso de arrematar a AB (Anheuser-Busch), fabricante da Budweiser. O rebuliço começou enquanto ele viajava pelo deserto de Gobi com sua mulher, Susanna, e os amigos Fernando Henrique e Ruth Cardoso.

"Durante toda a viagem pela China ele manteve a calma", contou FHC.

Depois de arrematar a AB, Lemann e seus sócios compraram também o Burger King e a Heinz (esta em parceria com Buffett). A jornalista conclui o livro comentando as especulações sobre novos passos do trio, como uma possível compra da Coca-Cola em sociedade com Buffett, que, questionado pela jornalista sobre o assunto, riu e disse: "Aqui você não vai conseguir nada".

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