sábado, 23 de fevereiro de 2013

Volte a acreditar em sua criatividade (Parte1)





Por Tom Kelley e David Kelley
Ao nascer, a maioria das pessoas é criativa. Quando crianças, vivemos no mundo do faz de conta, perguntamos coisas bizarras, fazemos um rabisco qualquer e proclamamos que é um dinossauro. Mas, com o tempo, devido à socialização e à educação formal, muita gente começa a sufocar esses impulsos. Damos ouvidos ao juízo do outro, ficamos mais cautelosos, mais analíticos. O mundo parece se dividir entre quem é “criativo” e quem não é — e muita gente, de forma consciente ou não, aceita resignada o segundo rótulo.
Sabemos, no entanto, que criatividade é essencial para o sucesso em qualquer disciplina ou setor. Segundo uma sondagem recente da IBM com executivos do mundo todo, é o traço mais buscado em um líder nos dias atuais. Ninguém pode negar que a criatividade esteve por trás da ascensão e do triunfo de uma leva de empresas, de novidades como Facebook e Google a baluartes da indústria como Procter & Gamble e General Electric.
Muita gente se matricula na “d.school” (a escola de design da Stanford University, ou Hasso Plattner Institute of Design, foi fundada por um de nós, David Kelley) para desenvolver a criatividade. É a mesma razão pela qual clientes buscam a IDEO, nossa consultoria de design e inovação. Ao longo do caminho, contudo, descobrimos que nossa função não é ensinar essa gente a “ser” criativa. É, isso sim, ajudá-la a “redescobrir” a criatividade — a capacidade natural do ser humano de chegar a novas ideias e ter coragem para prová-las. Para tanto, sugerimos estratégias para a superação de quatro medos que seguram a maioria de nós: o medo do desconhecido, o medo de sermos julgados, o medo de dar o primeiro passo e o medo de perder o controle.
Falar é fácil, diria o leitor. Sabemos, contudo, que o ser humano pode superar até o mais profundo dos medos. Peguemos o trabalho de Albert Bandura, um psicólogo mundialmente conhecido, professor em Stanford. Em uma série de experimentos, Bandura ajudou gente que a vida inteira tivera pavor de cobras a superar a fobia. Como? Com uma sequência de contatos cada vez mais difíceis. Primeiro, a pessoa observava uma cobra protegida por um vidro. Quando habituada a essa situação, ia espreitar o réptil por uma porta aberta. Em seguida, via alguém tocar a cobra. Depois, ela própria, usando uma pesada luva de couro, encostava no bicho. No final — e depois de horas —, botava a mão direto no réptil, sem qualquer proteção. Esse processo de pequenas conquistas sucessivas é o que Bandura chama de “controle guiado”. Quem passou por ele não só se livrou de um medo paralisante, que até então julgava incurável, mas passou a registrar menos ansiedade e mais êxito em outras esferas da vida — e a encarar coisas novas que poderiam meter medo, como andar a cavalo e falar em público. Foi gente que passou a se empenhar mais, a perseverar por mais tempo e a exibir mais resiliência diante de reveses. A pessoa tinha conquistado uma nova confiança na própria capacidade de atingir as metas a que se havia proposto.
Nos últimos 30 anos, usamos essa mesma abordagem para ajudar indivíduos a superar medos que bloqueavam sua criatividade. A ideia é dividir o desafio em pequenas partes e, em seguida, ir criando confiança com a superação sucessiva de cada uma delas. Criatividade é algo que se pratica, não é só um dom que nasce com a pessoa. O processo pode causar certo desconforto no início. Mas — como descobriu quem tinha medo de cobra — essa sensação rapidamente se vai. No lugar, fica a confiança — e novos recursos.
Medo do desconhecido
No mundo empresarial, criatividade começa com ter empatia com o cliente (seja ele interno ou externo). Não é algo que se consegue sentado atrás de uma mesa. É gostoso ficar na sua sala — sabemos disso. Tudo ali tem o conforto do conhecido; a informação vem de fontes previsíveis, dados contraditórios são eliminados e ignorados. No mundo lá fora, a coisa é mais caótica. É preciso lidar com fatos inesperados, com a incerteza, com gente irracional que diz coisas que você não quer ouvir. Mas é aí que temos lampejos — e surtos de criatividade. Sair ao mundo em busca de conhecimento, mesmo sem qualquer hipótese a testar, pode abrir sua mente a novas informações e ajudá-lo a descobrir necessidades nada óbvias. Sem isso, a pessoa corre o risco de simplesmente ficar reafirmando ideias que já tem ou esperando que os outros — clientes, chefes ou até concorrentes — lhe digam o que fazer.
Na d.school, estamos sempre dando missões antropológicas do gênero aos alunos, para que saiam da zona de conforto e se joguem no mundo — até que, um dia, comecem a agir assim por conta própria. Vejamos o caso de um cientista da computação, dois engenheiros e um aluno de MBA matriculados em uma disciplina (batizada de Extreme Affordability) lecionada por Jim Patell na faculdade de administração da Stanford University. A certa altura, o quarteto percebeu que não daria para concluir o projeto — criar uma incubadora barata para bebês em países em desenvolvimento — vivendo no conforto de um lugar como a Califórnia. A turma tomou coragem e rumou para um lugar ermo no Nepal. Ao conversar em pessoa com pais e médicos, descobriram que os bebês que mais corriam risco eram prematuros que nasciam em lugares distantes de hospitais. Quem vivia em um lugar perdido do Nepal não precisava de uma incubadora mais barata no hospital — o que precisava era de um jeito confiável de regular a temperatura do prematuro quando não havia por perto um médico habilitado para tal. A informação levou a equipe a criar uma espécie de “saco de dormir” com uma bolsa com uma cera especial para guardar calor. O produto — batizado de Embrace Infant Warmer — custa 99% menos do que uma incubadora tradicional e é capaz de manter a temperatura adequada por até seis horas sem uma fonte externa de energia. A inovação poderia salvar milhões de prematuros e recém-nascidos com baixo peso todo ano. E isso só ocorreu porque os integrantes da equipe aceitaram se lançar a um território desconhecido.
Outro exemplo vem de dois estudantes, Akshay Kothari e Ankit Gupta, matriculados em outra disciplina do instituto de design, a Launchpad. O currículo da matéria exigia que criassem uma empresa do zero até o final do trimestre acadêmico de dez semanas. Os dois rapazes se descreviam como “geeks”: eram tecnicamente brilhantes, altamente analíticos e definitivamente tímidos. Mas optaram por trabalhar em sua ideia — um belo leitor de notícias para o então recém-lançado iPad — fora do campus, num café em Palo Alto, onde estariam rodeados de potenciais usuários. Passando por cima da timidez, Akshay abordou estranhos no café e pediu que testassem seu protótipo. Ankit criou centenas de pequenas variações do aplicativo para serem testadas a cada dia — alterando desde padrões de interação ao tamanho de botões. Em semanas, graças ao acelerado processo de iteração, a dupla chegara a um bom produto. “No começo, a reação das pessoas era ‘Que porcaria!’”, conta Akshay. “Depois, já queriam saber se o aplicativo vinha instalado em todo iPad.” O resultado — o Pulse News — foi elogiado em público por Steve Jobs na conferência mundial de desenvolvedores da Apple meses depois. Já foi baixado por 15 milhões de pessoas e é um dos 50 aplicativos originais no “Hall of Fame” da loja de aplicativos da Apple.
Não são só empreendedores e inventores de produtos que devem sair ao mundo. Altos gerentes também precisam do contato direto com gente afetada por suas decisões. No meio de uma intervenção de gestão que a IDEO fez para a ConAgra Foods, por exemplo, os executivos saíram do conforto das salas de reunião e foram explorar zonas pobres de Detroit onde alguém pode caminhar quilômetros sem ver um supermercado. Observaram em primeira mão a reação de moradores desses lugares a certos produtos alimentícios e falaram com um “agricultor urbano” que pretendia transformar terrenos baldios em hortas comunitárias. Segundo Al Bolles, vice-presidente de pesquisa, qualidade e inovação da ConAgra, esse comportamento hoje é comum na empresa. “Anos atrás, era difícil arrastar minha equipe executiva para fora do escritório”, conta. “Mas agora saímos, vamos até a casa do cliente para entender o que as pessoas realmente precisam.”
(continua...)

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