sábado, 2 de fevereiro de 2013

Livro em destaque: Papeles en el viento



Por Sylvia Colombo

"O sujeito pode mudar de tudo. De cara, de casa, de família, de namorada, de religião, de Deus. Mas há uma coisa da qual não pode mudar. Não pode mudar de paixão."

A frase, chave do mistério do thriller argentino "O Segredo de Seus Olhos", vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2010, resume o universo de Eduardo Sacheri, 45, as relações do homem com o futebol e as emoções que evoca.


Nome ascendente nas letras argentinas, o autor do romance ("La Pregunta de Sus Ojos") que deu origem ao filme e coautor do roteiro da produção de Juan José Campanella lança um novo trabalho, "Papeles en el Viento" (Alfaguara, cerca de R$ 45, importado). Nele, o esporte volta a ser tema central (papéis ao vento é referência ao costume argentino de jogar papel picado no campo antes dos jogos).

Tudo acontece no ambiente suburbano, entre amigos vinculados por uma espécie de cordão umbilical a um conjunto de ruas e esquinas.No romance, três amigos têm de decidir o que fazer com o passe de um jogador de futebol comprado por um companheiro às vésperas de sua morte. O tal jogador, que custou US$ 300 mil, começa como uma promessa, mas vai revelando-se um fracasso. Trata-se de um atacante que não faz gols e começa a vagar por times irrelevantes.

Tratam-se por apelidos, se provocam e se ajudam. "O horizonte do 'conurbano' [subúrbio de Buenos Aires] é o que me interessa retratar. O modo como as pessoas falam, se relacionam, a cultura que se cria nesse microuniverso. O futebol é uma forma de investigar essa identidade local", resume o autor em um café no bairro de San Telmo.

"Gosto de evocar a história do lugar onde estou. É o que faço com meu bairro quando escrevo, é o que me vem à cabeça quando estou aqui. San Telmo é a antiga Buenos Aires, aqui a cidade começou."

O autor vive há anos em Castelar, a cerca de 40 km do centro da capital argentina. Segue a tendência de autores contemporâneos de seu país de usarem elementos de seu bairro na ficção, como Fabián Casas (com Boedo) e Leonardo Oyola (Isidro Casanova).

Por muitos anos, Sacheri deu aulas e trabalhou em um supermercado. Até que, aos 26 anos, começou a colocar no papel histórias de meninos de bairro que se relacionam por meio do futebol.

Foram surgindo contos, que Sacheri guardou até descobrir um programa de rádio que buscava histórias de futebol para serem lidas no ar.

"Comecei a levar meus textos. Tinha vergonha e os deixava na recepção. Depois ia para casa e esperava para escutar." Os contos não demoraram a conquistar o público, que pedia mais para a rádio.

A experiência resultou em mais de 30 contos, compilados em "Esperándolo a Tito" e "Te Conozco, Mendizábal" (ambos pela Alfaguara).

A crítica costuma destacar que o mérito do trabalho de Sacheri é transformar em literatura a oralidade das ruas e a informalidade das relações.

RÓTULOS

"Não gosto de ser rotulado como escritor de futebol. Na verdade, eu o vejo como instrumento para tratar do aspecto trágico da vida, que se entrevê a partir das histórias dessa linguagem e desses heróis em escala humana."

Torcedor do Independiente de Avellaneda, time que ganhou sete taças Libertadores da América, mas que hoje luta para escapar do rebaixamento, Sacheri retrata em seus contos as potenciais estrelas que nunca saíram dos times de bairro, as que partiram para a Europa, mas não esqueceram a pelada da infância, as fanáticas torcidas dos times que nunca ganham, a relação dos torcedores com as mulheres.

"É um território onde transita o desejo, onde as chispas do sucesso surgem e muitas vezes se apagam rápido. É matéria literária em estado puro", resume.

Fonte: Folha de São Paulo

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